Filho de Érico Veríssimo, um dos maiores nomes da literatura nacional, Luis Fernando Verissimo nasceu em Porto Alegre, em 26 de setembro de 1936. Aos 16 anos, foi morar nos EUA, onde aprendeu a tocar saxofone, hábito que cultiva até hoje – tem um grupo, o Jazz 6. É jornalista, mas “do tempo em que não precisava de diploma para exercer a profissão”. Antes de se dedicar exclusivamente à literatura, trabalhou como revisor no jornal gaúcho Zero Hora, em fins de 1966, e atuou como tradutor, no Rio de Janeiro. Casado há mais de 30 anos com Lúcia Verissimo (“não é a atriz, não é a atriz!”), sua primeira “namorada séria”, tem três filhos: Fernanda, Mariana e Pedro.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Chineses II

   ...chinês, chinês, chinês, chinês... Atendendo a inúmeros pedidos que eu mesmo fiz diante do espelho, continuo hoje as terríveis considerações sobre o que será do mundo quando houver dois chineses por cada metro quadrado de terra seca, e dois chine­ses pela cintura por metro quadrado de terreno alagadiço.
   Em primeiro lugar, desaparecerão todas as nossas noções atuais de vida privada. Tudo terá que ser feito na frente dos chineses. O que não será tão ruim, a não ser que os chineses que ocuparem, por exemplo, nossos quartos de dormir se revelarem críticos com alguma ironia. Que desempenho conjugal será possível entre comentários sarcásticos sobre es­tilo, duração, dimensões, freqüência, etc.?
   — Já?!
   — Ainda bem que terminou. Se continuasse assim por mais um minuto eu ia começar a vaiar...
   — Ele não é mais o mesmo.
   — Talvez porque ela seja sempre a mesma...
   — Ri, ri, ri...
   Mas nem todas as perspectivas são terríveis. Os chineses tornarão desnecessários todos os modernos — e caros — meios de telecomunicação. Em vez de passar um telegrama, você só terá que abrir a janela e dizer para o chinês mais próximo:
   — Telegrama para o Rio de Janeiro. Rua tal, número tal. “Consegui um lugar na lista de espera do Super Jumbo pt Estarei no Rio dentro de dois anos pt Abraços.” Passe adiante.
   O chinês da janela passará a mensagem para o chinês do seu lado, este a passará para o chinês do seu lado, este para outro, o outro para outro e assim por diante até ela chegar ao Rio de Janeiro. É claro que o último chinês da corrente dará o recado trocado — sempre haverá um safado entre Registro e São Paulo que mudará tudo — mas pelo menos será bem mais barato.
   Nas salas de visita, uma votação decidirá o programa de TV a ser visto cada noite.
   — Aqui estão os resultados. Atenção: a favor do Fantástico, oitenta votos. A favor do Jogo Aber­to, setenta e dois. Os donos da casa, ridiculamente, votaram no Flávio Cavalcanti. Cinco votos.
   — Ri, ri, ri...
   E as filas? Você receberá um telefonema no meio da noite. Quer dizer, o chinês da janela baterá na vidraça e transmitirá um recado urgente. Morreu um chinês na sua frente na fila do cinema. A vaga é sua, mas corra!
   O filme é Kung Fu contra o bisneto do chefão. Há oito anos que você espera para entrar no cinema. Você já subornou oitocentos chineses para chegar mais perto da bilheteria. E agora há uma vaga na sua frente. Você sai correndo, pisando em chineses. Só para descobrir que o chinês que guardava o seu lugar na fila casou com a chinesa da frente, teve sete filhos enquanto esperava e pegou a vaga para o seu pri­mogênito.
   Haverá filas para entrar em filas. Os trens urbanos serão tão compridos que se estenderão do prin­cípio ao fim da linha, sem se mexer. Você correrá por dentro do trem, por cima de chineses, para chegar onde quer ir — e entrar na fila. As crianças serão colocadas nas filas do INPS logo depois de nascerem para chegarem ao guichê a tempo de reclamar apo­sentadoria. Cada dois chineses plantarão um pé de soja no seu metro quadrado de campo. A atenção ao pé de soja será total. O método de cultivo será tão artesanal que o pulgão morrerá por estrangulamento, ouvindo insultos pessoais o tempo todo.
   E o pior não é isto. Imagine a luta para arran­jar lugar em restaurante no sábado!

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