Filho de Érico Veríssimo, um dos maiores nomes da literatura nacional, Luis Fernando Verissimo nasceu em Porto Alegre, em 26 de setembro de 1936. Aos 16 anos, foi morar nos EUA, onde aprendeu a tocar saxofone, hábito que cultiva até hoje – tem um grupo, o Jazz 6. É jornalista, mas “do tempo em que não precisava de diploma para exercer a profissão”. Antes de se dedicar exclusivamente à literatura, trabalhou como revisor no jornal gaúcho Zero Hora, em fins de 1966, e atuou como tradutor, no Rio de Janeiro. Casado há mais de 30 anos com Lúcia Verissimo (“não é a atriz, não é a atriz!”), sua primeira “namorada séria”, tem três filhos: Fernanda, Mariana e Pedro.

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Êxtase - Crônica do Estadão, Bom Dia e O Globo (14/04/11)

Ele falou que sempre que via um pôr de sol bonito como aquele sentia que não era para ele. Não sabia explicar. Era como se o pôr do sol fosse para outros e ele estivesse vendo clandestinamente, sem autorização, espiando o que não lhe dizia respeito. Sentia-se, assim, um penetra no espetáculo dos outros. Ela não entendeu. Você acha que não merece, é isso? Que é bonito demais para você? Que você não tem direito a um pôr do sol dessa magnitude? Que o sol deveria se pôr com mais discrição para pessoas como você, que cada pôr do sol deveria ter uma versão condensada, menos espetacular, para os imerecedores da Terra, é isso? Não, não, disse ele. Eu mereço. Não é uma questão de humildade. É uma questão de... E deu outro exemplo. Sorvete de doce de leite. Sempre que comia sorvete de doce de leite tinha a mesma sensação de clandestinidade. Aquela doçura, aquele prazer, não podia estar assim disponível para todos como, como... como um pôr do sol! Era preciso haver uma hierarquia no direito às coisas magníficas, senão nenhuma escala de valores na vida tinha sentido. Se qualquer um podia comer um sorvete de doce de leite quando quisesse que sensação sobraria para as grandes epifanias, para o êxtase das grandes revelações? Comer um sorvete de doce de leite nivelava toda a experiência humana, diante de um Michelangelo ou de uma chuva de estrelas a sensação seria a mesma. Lera em algum lugar que os fabricantes de sorvete de doce de leite tinham hesitado muito antes de lançar o produto no mercado. A preocupação deles era outra: temiam a corrupção irrecuperável da humanidade. Depois de provar sorvete de doce de leite as pessoas poderiam se ver fragilizadas, indefesas diante da autoindulgência e da lubricidade, ou perdidas pela culpa. Tinham até pensado em vender o sorvete com um aviso, como os cigarros. "Atenção: pode causar dependência e ruína moral." Ele não defendia uma aristocracia com acesso exclusivo ao bom e ao bonito. Só achava que ver um pôr do sol fantástico comendo sorvete de doce de leite deveria ser, assim, como se você fosse um dos escolhidos do mundo, com o crachá correspondente. Licença para se extasiar. E então ele deu outro exemplo: você aqui na minha frente, com as cores do pôr do sol refletidas no seu rosto. Uma exclusividade minha, um privilégio dos meus olhos, uma injustiça para todos os homens do planeta que estão olhando outra coisa. E ela falou "Não exagera, vai".
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Reali. Nunca a palavra "perda" para descrever uma morte foi tão apropriada.
Com a morte do Reali Jr., o jornalismo brasileiro perdeu uma das suas grandes figuras e a perda para os seus muitos amigos é indescritivelmente dolorida. 

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