Filho de Érico Veríssimo, um dos maiores nomes da literatura nacional, Luis Fernando Verissimo nasceu em Porto Alegre, em 26 de setembro de 1936. Aos 16 anos, foi morar nos EUA, onde aprendeu a tocar saxofone, hábito que cultiva até hoje – tem um grupo, o Jazz 6. É jornalista, mas “do tempo em que não precisava de diploma para exercer a profissão”. Antes de se dedicar exclusivamente à literatura, trabalhou como revisor no jornal gaúcho Zero Hora, em fins de 1966, e atuou como tradutor, no Rio de Janeiro. Casado há mais de 30 anos com Lúcia Verissimo (“não é a atriz, não é a atriz!”), sua primeira “namorada séria”, tem três filhos: Fernanda, Mariana e Pedro.

terça-feira, 26 de abril de 2011

Negar Fogo

   Negar fogo é humano. Antes de pensar em atirar-se pela janela, examine a situação. Certifique-se de que não existe uma causa psicossomática para o seu fracasso, como a política econômica do governo ou o fato de a sua mulher ou namorada ter aderido ao halterofilismo. Pode não ser culpa sua, ou do seu tecido eréctil. Lembre-se de que existem várias situações em que negar fogo não é só aceitável como até recomendável. Eis algumas: 
  • Vocês namoram há pouco tempo. É a 1ª vez que vão para a cama. Você acaba de tirar a calcinha dela. Descobre que ela tem "Wando" tatuado numa nádega. 
  • Ela convidou-o para o seu apartamento e recebe-o completamente nua mas com um quepe da Gestapo na cabeça e uma coqueteleira de metal numa mão. Depois você descobre que não é uma coqueteleira, é um triturador portátil. 
  • Você introduziu a sua mão sob a blusa dela e sente o mamilo quente crescer contra a sua palma. Ela beija seu o pescoço, depois lambe atrás da sua orelha, finalmente enconta os lábios úmidos na sua orelha e diz: 
    - Gostas do Paulo Coelho? 
  • A porta do quarto se abre e uma senhora gorda de chambre entra arrastando os chinelos e diz: 
    - Não parem, não parem, eu só vim pegar uma lixa no banheiro. 
  • Quando chega o orgasmo, ela começa a bater nos seus rins com os calcanhares e a gritar os nomes dos faraós do Antigo Egito. 
  • Vocês decidiram transar num lugar diferente: na praia, sob as estrelas. Tiraram toda a roupa, correram pela beira do mar de mãos dadas sentindo a brisa salgada no corpo todo. Agora rolam gargalhadas pela areia até caírem numa trincheira cheia de soldados camuflados e serem informados de que estão no meio de uma manobra militar, e é para não fazerem barulho senão vão denunciar sua posição ao inimigo, que observa tudo o que se passa na praia com binóculos infravermelhos. 

   Ás vezes negar fogo tem as mesmas causas do motor afogado. Do motor que não funciona não por falta de combustível, mas por excesso. Isto é: você está tão a fim, tão afim que não consegue. É um motivo perfeitamente respeitável que não deve afligir ninguém, embora seja o mais frustrante. Sua causa é o perfeccionismo. Você finalmente vai fazer amor com a mulher dos seus sonhos. Um ideal que você persegue há anos, ou alguma beldade famosa que por uma dessas dádivas da providência cruzou olhar com o seu e disse com o olhar que sim. E agora você está prestes a possuí-la. Tudo tem que ser perfeito. Esta é a transa com que você se consolará nos anos do seu declínio, quando sua única zona erógena será a memória. É a transa que você contará para os netos. 

   A mulher dos seus sonhos já está na cama. A cama é perfeita. A iluminação é perfeita. A temperatura é perfeita. A umidade relativa do ar, os índices médios da bolsa, a colocação do Botafogo no campeonato, tudo. Só falta uma coisa. Seu tecido eréctil está fazendo que não é com ele. A mulher da cama pergunta por que você está assoviando. Você diz que é de contente. Ela pergunta por que você não vai para a cama. Você diz "você notou a vista daqui?", e dirige-se para a janela. Você se atira pela janela, para ganhar tempo.

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