Filho de Érico Veríssimo, um dos maiores nomes da literatura nacional, Luis Fernando Verissimo nasceu em Porto Alegre, em 26 de setembro de 1936. Aos 16 anos, foi morar nos EUA, onde aprendeu a tocar saxofone, hábito que cultiva até hoje – tem um grupo, o Jazz 6. É jornalista, mas “do tempo em que não precisava de diploma para exercer a profissão”. Antes de se dedicar exclusivamente à literatura, trabalhou como revisor no jornal gaúcho Zero Hora, em fins de 1966, e atuou como tradutor, no Rio de Janeiro. Casado há mais de 30 anos com Lúcia Verissimo (“não é a atriz, não é a atriz!”), sua primeira “namorada séria”, tem três filhos: Fernanda, Mariana e Pedro.

domingo, 24 de abril de 2011

Outro Jesus - O Globo e Bom Dia (24/04/11)

"Eloi, Eloi, lama sabactani." As palavras de Jesus na cruz — "Deus, Deus, por que me abandonaste?" — estão em dois dos evangelhos, o de Mateus e o de Marcos. Os de Lucas e João não as registram. Não há muitas divergências entre os evangelhos, embora o quarto, de João, seja tradicionalmente considerado o mais literário, ou eloquente.

Os três primeiros, chamados "sinóticos" porque foram escritos mais ou menos ao mesmo tempo, incluem a passagem de Jesus em Getsêmani, quando ele pede a Deus que não exija seu martírio final e que passe dele o cálice amargo do sacrifício.

O evangelho de João, escrito depois dos outros três, não cita Getsêmani ou qualquer outra evidência de uma reação de Jesus ao seu destino. E a maior evidência desta reação, o apelo de Jesus na cruz para que Deus interrompa seu martírio como sustou a mão de Abraão quando este, seguindo suas ordens, preparava-se para imolar o próprio filho, só está em dois dos evangelhos e, curiosamente, nunca recebeu muita atenção nos cânones cristãos.

Mas se Jesus se sente abandonado na cruz sua história e o significado do seu sacrifício são outros. O Jesus suplicante de Mateus e Marcos não é o mesmo Jesus de Lucas e João. É um homem apavorado diante da perspectiva da morte e do silêncio do Pai, sem entender por que o mesmo poder que lhe permitiu fazer milagres não o salva da execução.

Nada é mais humano no Cristo dos dois primeiros evangelhos do que o seu medo. Antes deste Cristo sacrificado há as gerações que profetizaram e prepararam a sua chegada, depois virão sua ressurreição e sua glória, mas naquele momento só há o terror da morte comum a todos os homens.

"Eloi, Eloi, lama sabactani." Quem não ouviu ou não registrou o grito desesperado naquele dia em Gólgota não quis saber de um Cristo perplexo em vez de um Cristo resignado ao seu destino e cúmplice do seu fim.

Mas a perplexidade de Jesus na cruz é o que mais o aproxima de nós.

Mateus e Marcos não escreveram, afinal, só relato da revolta natural de um condenado à morte, o mistério e a grandeza da cena estão presentes nos seus evangelhos. Mas a frase que os outros ignoraram, e que a Igreja nunca explicou, ainda ecoa, dois mil anos depois.

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