Filho de Érico Veríssimo, um dos maiores nomes da literatura nacional, Luis Fernando Verissimo nasceu em Porto Alegre, em 26 de setembro de 1936. Aos 16 anos, foi morar nos EUA, onde aprendeu a tocar saxofone, hábito que cultiva até hoje – tem um grupo, o Jazz 6. É jornalista, mas “do tempo em que não precisava de diploma para exercer a profissão”. Antes de se dedicar exclusivamente à literatura, trabalhou como revisor no jornal gaúcho Zero Hora, em fins de 1966, e atuou como tradutor, no Rio de Janeiro. Casado há mais de 30 anos com Lúcia Verissimo (“não é a atriz, não é a atriz!”), sua primeira “namorada séria”, tem três filhos: Fernanda, Mariana e Pedro.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

A tática da bolsa - Crônica do Estadão (10/04/11)

A Jussara estava a fim de um cara e bolou um plano para conhecê-lo. Ou para ele a conhecer. Um plano minucioso, que descreveu para as amigas como se fosse uma operação militar. Em vez de conquistar um reduto inimigo, Jussara conquistaria o cara, que se renderia ao seu ataque. Ela acreditava que, no amor como na guerra, planejamento era tudo.

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Jussara sabia que José Henrique - o nome do cara era José Henrique - tinha dinheiro e não tinha namorada firme, duas precondições para seu plano valer a pena. Era bonito, era um intelectual (andava sempre com um livro embaixo do braço) e tinha hábitos regulares. Todos os dias saía do trabalho e sentava-se numa mesa de bar, sempre a mesma mesa, para comer uma empada e tomar uma cerveja (só uma, e ele não fumava nem tinha qualquer outro vício aparente) antes de ir pegar seu carro num estacionamento próximo. Geralmente bebia sozinho e ia direto para casa, onde morava com a mãe viúva. 

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O ataque, de acordo com a melhor tática militar, deveria ser de surpresa. Mas surpreendente apenas o bastante para ser inesquecível sem assustar o cara. A ideia da Jussara era que, no primeiro contato, ele já descobrisse tudo sobre ela. O que ele faria com essa informação dependeria do que viesse depois. Ou, como disse a Jussara, "dos desdobramentos". Mas no primeiro instante ele teria que saber tudo a seu respeito. Como conseguir isso?

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Com a bolsa. As amigas se entreolharam. Com a bolsa? Com a bolsa. Jussara entraria no bar remexendo na sua bolsa, fingindo procurar alguma coisa com tanta concentração que esqueceria de olhar para frente, e esbarraria no José Henrique, derramando todo o conteúdo da bolsa na mesa à sua frente, ou no chão ao seu lado.
- E o conteúdo da bolsa dirá tudo o que ele precisa saber a meu respeito, entendem? Serei eu dentro da bolsa. Tudo o que eu sou, tudo o que eu gosto. Ele vai me ajudar a colocar as coisas de volta dentro da bolsa e em poucos minutos conhecerá minha alma e minha biografia.

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Jussara já sabia o que colocaria dentro da bolsa. Um bonequinho de pelúcia que certamente enterneceria o cara, mostrando seu coração bom e algo infantil. Envelopes com sementes, mostrando sua preocupação com o meio ambiente. E um livro, para ele saber que ela também lia. Mas precisava decidir: que livro? Estava aceitando sugestões. Poesia? Martha Medeiros? Karl Marx? Pornopopeia? O Pequeno Príncipe? Qual faria maior efeito? Escolheram um Saramago, desde que não fosse muito pesado.

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E o encontro se deu. Todo o conteúdo da bolsa da Jussara caiu na frente do cara, que ajudou a botá-lo de volta, como previsto. Mas ele nem notou o livro e as outras coisas. Pegou um estojo de maquiagem da Jussara e disse: "Eu uso o mesmo blush!". 

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A Jussara culpa seu fracasso numa falha que costuma frustrar as operações militares: reconhecimento insuficiente do terreno.

- Faltou pesquisa - lamenta.

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